Os crimes que inventei
Eu já matei. Não uma, não duas,
mas diversas vezes. E também cometi diversos outros crimes, mas apesar de
tanto, ainda sou um homem bom.
Eu matei aquele menino que não me
emprestou o brinquedo quando eu pedi. E não só ele, também matei boa parte de
sua família de forma cruel e rápida, além claro, de ter queimado todos os seus
melhores brinquedos. Matei também inúmeras senhoras que me apertaram as bochechas,
só por pirraça; as assassinei das mais
diversas formas, sendo que a maioria eu apenas explodi suas cabeças com a força
do pensamento, isso, ainda enquanto apertavam minhas bochechas que nem eram tão
fofinhas assim. Matei aquele cara grande e forte que me empurrava na fila da
merenda. Esse eu matei com gosto afogado na sopa quente, enquanto eu dizia: “vai
me empurrar de novo desgraçado, vai? Empurra agora!”.
Matei também o cara engraçado e de topete do Elvis,
que sempre ficava com as meninas mais graciosas da sala de
aula. Além claro, de tê-lo humilhado na frente de todos, da mesma forma que ele
me humilhava caçoando do meu cabelo cortado
modelo surfista ridículo. Também tirei a
vida de diversos motoristas que não me deram carona enquanto eu caminhava sob o
sol flamejante, explodindo seus carros com uma bazuca. Já enchi de beliscões
até arrancar os couros de um menino gordo e comilão que encontrei sozinho e
indefeso na estrada, apenas porque pensei que isso me faria bem. Já desejei
aquela menina, que apesar de ainda muito jovem, já tinha graciosidade de uma
moça linda. E mesmo assim, ainda sou
alguém do bem.
Matei aquele cara que tirou uma nota
mais alta na prova para um cargo público, só pra ficar com a vaga. Matei também, por inúmeras vezes, aqueles
patrões que me despediram por eu não ser do perfil da empresa. E aqueles que sequer me deram a chance de
demonstrar os meus talentos então! Esses
eu os queimei em fogueiras de óleo, para
que sofressem eternamente, além claro, da clássica explosão da cabeça por
telepatia. Mesmo assim, ainda sou
considerado um homem bom.
Já matei, também, inúmeros maridos
que não mereciam, segundo meu julgamento, as esposas que tinham, só para ficar
com elas. Mas claro, sempre fingindo ser
amável e solidário quando melhor me aprouvesse. Mesmo assim, sou um homem bom.
Além de matar, também sou
preconceituoso, pois já tive receio de pessoas maltrapilhas e com ares de viciados que encontrei nas
ruas. Cheguei ao ponto de pensar, por inúmeras vezes, que seria, com certeza, morto
por um deles. Mas sempre me contive, disfarçando a duras penas os tremeliques.
Se bem que, logo que sentia o perigo passado, pensava que se caso eles tentassem
alguma coisa, certo que eu o teria dado uma voadora típica do Van Damme e os
teria matado também.
Sou um criminoso, um pervertido, um preconceituoso...,
e todos outros adjetivos contrários ao ideal do que é ser do bem, mas como
sempre escondi e contive os meus crimes apenas em meus pensamentos mais vis,
sou um homem bom não diferente de nenhum outro humano comum. Não diferente de ti leitor. Não negue, pois negar
só fará com que eu tente explodir tua cabeça por telepatia.
Às vezes me pergunto se somos, de fato, o que negamos, pois é a regra, ou se somos aquele que se encontra no universo selvagem e particular de nossas mentes.
Samuel Ivani