Vê lá aquele menino:
Nasceu numa casa de barro...
- Nasceu- Viver nunca é fácil;
Sobra-lhe tempo, abraços,
e seu destino, este, por ironia, já traçado.
A mãe, muito calejada da lida não tem leite;
Têm forças, isso tem,
Adquirida naquela luta diária de quem
precisa correr atrás do pão
Pra mais cinco meninos que no quarto choram
"Com a barriga pregada nas costas"
Como bem repetia ela, em conjunto com “Améns”.
Sobra-lhe os améns.
Era preciso que ela descansasse do parto
Mas ela não tem tempo pra resguardo;
Tem que puxar água na cacimba
Pra fazer mingau d’água com farinha
Pra alimentar o pobre menino
Que chora sem entender o destino
Que sem escolha lhe é reservado.
Ela não tem tempo pra resguardo
Tem que pegar o “landuá”
Ir pra lagoa pescar
Piaba e cará
pra fazer pirão escaldado
Com peixe assado na lenha
Esta, por ela mesma caçada
enquanto enfrenta a chuva que Deus manda implacável.
Mesmo assim, sobra-lhe améns...
Ela não tem tempo pra resguardo;
De manhã, essa grande mulher,
Como falta o pó pro café
Tem que pegar folha na laranjeira
em meio às goteiras
pra fazer o chá “churro”
Que lhe engana que é café
Quando o barulho da colher
faz “ti lin ti lin” no bule.
O tempo passa sem parar...
Ela ainda não tem tempo pra resguardo
Tem que ir à bodega da esquina
Pedir que lhe vendam fiado
Um quilo de arroz
e um “quarterão” de azeite
apesar de já dever até o ultimo centavo
que irá ganhar daqui seis meses.
Mesmo assim, sobra-lhe améns,
Transborda-lhe os améns.
Ela não tem tempo pra resguardo
Pois ao menos uma vez por dia
precisa de leite de verdade o menino,
O mingau d’água, embora forte,
Não supre as necessidades do corpo franzino
da pobre criança que chora.
É preciso ir às ruas
Vender cosméticos
roupas, remédios,
Pra ganhar uns cruzados
Pra comprar leite Ninho
E fazer mingau de verdade
Pra ver se o menino escapa
Ao menos até que melhore a realidade.
É uma batalhadora esta mãe.
Nunca lhe falta esperanças
de que um dia seus filhos suspirem
de tanta comida na pança.
Mas ela não tempo pra reflexões
A vida é árdua demais.
É preciso aligeirar as mãos
a tricotar o crochê
que lhe rende no final de ano,
roupas novas pra família
que melhor ficam na foto tirada na calçada
uma vez a cada a década passada.
Mas o menino ainda chora.
- Hoje não tem nada!
Olha-se pros quatros cantos das paredes,
Só se ver os outros coitados nas redes
dormindo sem sono
na tola esperança de, pelo menos por momentos,
esquecer o vazio nas entranhas.
A mãe sem possibilidade chora;
O recém-nascido doente
Os meninos com fome
Um temporal cai
A vida desmorona.
- É tão difícil meu Pai!
O menino nascera
Respirou esse ar quase de graça
Agora definha, por falta de massa
Essa mesma que se usa no mingau!
- Que sonho pequeno meu Pai!
Uma caixa de "Cremogema"
Um ovo, um punhado de Maisena
Salvaria a vida do menino
Que quase sem ar, vai-se inocente
Sem ter tido tempo de ver a dor que é
Perceber que a gente
mesmo que lute com unhas e dentes
Às vezes fica sem tempo.
A criança dá o último suspiro nos braços da mãe;
Ela chora, mas não há tempo pra comoções
É preciso preparar as tradições,
Talvez durante o velório alguém se compadeça
para os outros meninos que ainda têm fome.
Não há tempo pra comoções!
Só pra uns améns por que a vida para apenas pra uns "ninguéns"