terça-feira, 12 de abril de 2016

MÃOS DA TERRA







Vê lá aquele menino: 
Nasceu numa casa de barro...
- Nasceu- Viver nunca é fácil; 
Sobra-lhe tempo, abraços,
e seu destino, este, por ironia, já traçado. 
A mãe, muito calejada da lida não tem leite; 
Têm forças, isso tem,
Adquirida naquela luta diária de quem
precisa correr atrás do pão
Pra mais cinco meninos que no quarto choram
"Com a barriga pregada nas costas"
Como bem repetia ela, em conjunto com “Améns”. 
Sobra-lhe os améns. 

Era preciso que ela descansasse do parto 
Mas ela  não tem tempo pra resguardo;
Tem que puxar água na cacimba
Pra fazer mingau d’água com farinha
Pra alimentar o pobre menino
Que chora sem entender o destino 
Que sem escolha lhe é reservado. 

Ela não tem tempo pra resguardo
Tem que pegar o “landuá” 
Ir pra lagoa pescar
Piaba e cará 
pra fazer pirão escaldado
Com peixe assado na lenha
Esta, por ela mesma caçada 
enquanto enfrenta a chuva que Deus manda implacável. 
Mesmo assim, sobra-lhe améns... 
  

Ela não tem tempo pra resguardo;
De manhã, essa grande mulher,
Como falta o pó pro café
Tem que pegar folha na laranjeira
em meio às goteiras
pra fazer o chá “churro” 
Que lhe engana que é café
Quando o barulho da colher
faz “ti lin ti lin” no bule. 

O tempo passa sem parar...
Ela ainda não tem tempo pra resguardo
Tem que ir à bodega da esquina
Pedir que lhe vendam fiado
Um quilo de arroz 
 e um “quarterão” de azeite 
apesar de já dever até o ultimo centavo
que irá ganhar daqui seis meses.
Mesmo assim, sobra-lhe améns,
Transborda-lhe os améns.  

Ela não tem tempo pra resguardo
Pois ao menos uma vez por dia
precisa de leite de verdade o menino, 
O mingau d’água, embora forte, 
Não supre as necessidades do corpo franzino
da pobre criança que chora. 
É preciso ir às ruas
Vender cosméticos
roupas, remédios,
Pra ganhar uns cruzados
Pra comprar leite Ninho
E fazer mingau de verdade 
Pra ver se o menino escapa
Ao menos até que melhore a realidade. 

É uma batalhadora esta mãe. 
Nunca lhe falta esperanças 
de que um dia seus filhos suspirem
de tanta comida na pança. 

Mas ela não tempo pra reflexões
A vida é árdua demais.
É preciso aligeirar as mãos
a tricotar o crochê 
que lhe rende no final de ano,
roupas novas pra família
que melhor ficam na foto tirada na calçada
uma vez a cada a década passada. 

Mas o menino ainda chora. 
- Hoje não tem nada!
Olha-se pros quatros cantos das paredes,
Só se ver os outros coitados nas redes  
dormindo sem sono 
na tola esperança de, pelo menos por momentos,
esquecer o vazio nas entranhas.   

A mãe sem possibilidade chora;
O recém-nascido doente
Os meninos com fome
Um temporal cai
A vida desmorona. 
- É tão difícil meu Pai!
O menino nascera
Respirou esse ar quase de graça
Agora definha, por falta de massa
Essa mesma que se usa no mingau! 

- Que sonho pequeno meu Pai!
Uma caixa de "Cremogema"
Um ovo, um punhado de Maisena 
Salvaria a vida do menino
Que quase sem ar, vai-se inocente
Sem ter tido tempo de ver a dor que é
Perceber que a gente
mesmo que lute com unhas e dentes
Às vezes fica sem tempo. 

A criança dá o último suspiro nos braços da mãe; 
Ela chora, mas não há tempo pra comoções
É preciso preparar as tradições,
Talvez durante o velório alguém se compadeça 
para os outros meninos que ainda têm fome.
Não há tempo pra comoções! 
Só pra uns améns por que a vida para apenas pra uns "ninguéns" 




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