sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Memórias de uma execução



A lâmina dilacera nossa pele por diversas vezes em ensaio.
É seguido o protocolo de execução;
capuz, platéia, homens sem remorsos, prontos a matar
pois não se importam em morrer.
A vantagem deles sobre nós é que queremos viver.
Como se luta contra algo assim?!
"A derrota inicia com o enfrentamento."
Eis que, por inúmeras vezes, tudo se repete:
a lâmina, a câmera, dispõe-nos de joelhos e espera-se o fim.
Não desta vez, é preciso que isso se repita ao ponto que
o objetivo final seja desacreditado por nós mesmos.
A esperança sempre se mantém...
Esperança esta que nos mantém imortais até o último milésimo de segundo.
Quão bobos somos!
Não há como fugir do terrível destino, no entanto, acreditamos.
Quão louvável é a capacidade do homem em acreditar no surreal!
Eis que, num fatídico dia, igual aos anteriores,
quando pensamos que seria apenas mais um ensaio, a navalha perfura nosso pescoço;
Afiada, fria, prateada, ela reflete a luz do ambiente, a última luz que veremos.
Dói, isso dói, bem sabemos... Ela perfura até atravessar a garganta
Mas dor mesmo é ter a consciência que acabou.
Nos são arrancadas as necessidades com um golpe de navalha:
Planos para o futuro;
casas, grama verde, cercas brancas, filhos, pra quê?!
Resta-nos apenas a consciência do fim.
Quão dolorosa é a consciência do fim!
Após o golpe primeiro, o sangue nos enche a garganta
e não nos deixa gritar (E pra quê gritar? Ninguém ouviria!)
O golpe e aquela maldita certeza nos esfria o corpo.
lutar não seria possível.
Poderes especiais, tal qual víamos nos filmes, hum, apenas um sonho...
Nossa pele é fina e facilmente dilacerada com um punhal afiado,
afinal, não temos um corpo banhado com sangue de dragão.
Quão dura é a realidade.
A lâmina então caminha levemente cortando nossa vida,
tirando-nos o ar. Respirar dói!
Com maestria e frieza, o homem,(não teria outra palavra para denominar o carrasco)
desliza a lâmina e corta nossas artérias, nossas ligações nervosas,
mas ainda vemos o mundo, as vestes negras e a dor, que se esvai a medida que a lâmina percorre nosso fino pescoço.
Os líderes de nosso país, visando o bem maior,
não nos salvaram.
Era preciso ainda ter força de explodir tudo ao redor,
embora fossemos juntos, aquela crueldade não podia mais continuar.
Se pensa tanta coisa rumo ao fim.
"Deus, mande uma bomba atômica de cinco quilotons
e nos explode junto com esses monstros,
 não é justo que tenham tanto poder sobre a vida pelo simples fato de não terem ânsia de viver!"
Eis que, a lâmina fria finalmente chega a coluna vertebral,
bem onde se liga o cérebro ao resto do corpo;
"Morremos por nosso povo!"
A partir dali não se ver mais nada
Fica-nos gravada apenas uma imagem congelada de tudo ao redor.
E esta, nos será eterna pelos milésimos de segundos que nos restam.
Não há mais dor, não há mais nada...
Ao menos existe o paraíso, ao menos isso...


Samuel Ivani

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