Tu há de
chegar lá menino!
Tu é nordestino, tem o pescoço
grosso e a cabeça chata.
Só tem que ir pro "Sul". Aqui
as coisas são difíceis.
Tem que ir, trabalhar, juntar
dinheiro.
Tu há de ser um garçom de primeira
na cidade de São Paulo.
E quando voltar, há de comprar um
carro,
construir uma casa e arranjar uma
boa moça pra casar.
É o que todo mundo faz, é só não esquecer
de quem tu é.
Não esquecer da tua terra, esta que
te mantém de pé.
Tu há de chegar lá menino!
O povo aqui tem poucas chances,
tem só que viver de diárias na
enxada,
calejando as mãos e queimando a
pele,
e apesar de ser um trabalho digno,
não sustenta uma família com
doze moleques.
Bem vê tu o exemplo do teu
pai:
trabalhou a vida toda e quase não
tem um pedaço de terra pra morar.
Tu tem que ir embora, fugir desse
destino,
voltar, montar o próprio negócio,
e viver de sombra e água
fresca.
Mas lá no "Sul" também
não tem moleza,
tem que trabalhar no duro dia e
noite.
E não pode gastar mais do que o
necessário,
apenas com vestes e aluguel,
senão não volta mais pro teu
nordeste.
Mas tu há de chegar lá menino.
- Mas eu não quero deixar minha terra.
Lá não tem caju, nem manga que a
gente come direto do pé.
Tudo tem que comprar, até o ar que
se respira.
E ninguém ajuda ninguém,
nem um copo d'água se recebe de
graça.
Prefiro minha terrinha,
donde se acorda cedo,
Tem o canto dos pássaros pra acalmar
os nervos,
lá só tem o barulho dos carros,
a fumaça entrando pelas fuças.
Homens, uns engolindo os outros
na ânsia por sobreviver.
Sem contar no preconceito.
Ei de ir lá um dia, mas apenas
quando for chamado pra receber um prêmio.
Sei lá, um prêmio pela minha
inutilidade nesse mundo vão.
Embora aqui também eu viva só em um
mundo hipócrita,
pois tenho que nivelar meu nível
intelectual à um patamar medíocre,
isso se eu quiser permanecer rodeado
de gente.
Aqui, se eu for eu, ninguém me
entende.
Estou condenando a solidão.