terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cadeira de balanço




Sentou-se na velha cadeira de balanço de metal que já se encontrava há vinte e sete anos na varanda da sua casa. Olhou para os lados: “nada de novo”. Quer dizer, a dor que ele docemente amargava apenas na mão esquerda agora se transferira para a direita. Verificou-o que cada movimento que proferia fazia bem mais barulho que quando balançava levemente sua adorável cadeira de balanço.  Notou que não tinha mais pensamentos concisos, que não mais alimentava esperanças por mocinhas que ora ou outra passavam de bicicleta aos gritos na antiga estrada que dava para qualquer lugar que não mais era o seu lar. Notou que era um homem decrépito, cujo se decompunha com o tempo que passava. Ele percebeu, com dor, que  há muito não gastava aquele seu merecido tempo como deveria. Ele era um mísero pedaço de carne intragável até mesmo aos vermes que o espreitavam famintos e desavisados, coitados, que ele, quando finalmente fosse jogado aos abutres, não lhe restava mais nada de nutritivo para alimentar um corvo que fosse, pois tinha gasto todas as suas energias em desconstruir-se seguindo os desejos dos outros ao invés  de ter se construído seguindo os próprios desejos. “O homem tem que se construir!”  Ele olhou para a velha estrada e, suspirou,  juntamente com uma rajada de vento que levantou poeira e acrescentou mais umas partículas avermelhadas no velho mourão que se encontrava no canto da sua cerca a mais tempo que conseguia lembrar e, notou que, até ali, ele não tinha feito nada com o seu passado, e o seu presente se encontrava ali, resumindo-se a uma velha cadeira de balanço e que o seu futuro não ia ser muito diferente.

 A vida toda, sem exceções, ele simplesmente seguira a ordem da vida, aquela vida medíocre condicionada aos poucos estudos, um emprego público mais medíocre ainda, uma esposa burra que jamais lhe dera ao menos a alegria de um filho. Ora, pois se ele havia conscientemente falhado em tudo, era justo que não falhasse também com sua natureza instintiva e já tivesse tido um filho aquela altura da vida. Mas nem isso! A vida toda, ele não passara de um funcionário publico sem chances de subir de cargo e, conciliar a isso, um agricultor sem destreza alguma, pois se tinha exercido até ali alguma atividade na lavoura não era de sua livre escolha.

 Ele não sabia lavrar um punhado de milho que fosse com maestria, como sempre sonhara o  seu pai cujo lhe deixou alguns hectares de terra. Ele odiava falar sobre as cifras que precisaria gastar para arar a terra a ser logo semeada. Odiava ter que  ir aos dias de folga a cidade para comprar ração  para as galinhas que sua esposa, aparentemente,  amava mais do que a ele próprio. Odiava ter que fofocar com vizinhos mexeriqueiros sobre as mulheres separadas que davam para qualquer transeunte que passasse na estrada.   Odiava ter que suportar os “baba ovo” do prefeito da sua pequena cidade, que só falavam maravilhas do corrupto que já se encontrava há mais de vinte sete anos no poder só para lhes garantir mais um ano de trabalho mole na máquina pública do município. A verdade é que ele odiava ser obrigado a ser um deles! Ele verificou que odiava quase tudo na sua vida medíocre! Que tudo que ele havia feito e conquistado até então não tinha sido para si e, sim, para agradar aqueles que o rodeava.  

 E passados mais alguns redemoinhos de poeira sem direção previsível frente a sua varanda,  ele acabou verificando também, já enfurecido, que até mesmo aquele gemido da sua velha cadeira de balanço cujos tanto o acalmara em outros tempos, bem mais que os grunhidos que proferia sua esposa nos poucos segundos de furnicamento que tinham de ano em ano, que aquilo também, como tudo na sua vida, era ridículo.  E o fato dele se conformar com tudo, o tornava mais ridículo ainda.  Eis que, mesmo contra todos os pensamentos que o assolava, ele decidiu levantar-se daquela moleza, daquela monotonia e fazer algo por si mesmo: foi até o pé de manga, tomou uma belíssima manga nas mãos, verificou o quanto o adubo ali posto aquele ano tinha feito bem ao seu antigo e bem cuidado pomar, tomou uma faca e, com maestria, cortou a manga e a devorou vorazmente, pois tinha fome e, depois de satisfeito, retornou a sua velha cadeira de balanço, que ao certo ainda suportaria suas reflexões, embora resmungando, por mais uns vinte sete anos...    

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