segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Carrapicho

      Berthe Morisot

Nos dias de inverno,
quando as ervas daninhas começavam a crescer
no quintal de meus pais, eu ficava as observar e pensando:
tais plantinhas não têm propósito, razão ou serventia pra vida.
Compreendi assim, que a vida não tem um plano. 
Que não há pré-requisitos pra existir; 
que eu existo somente porque existo.
Compreendi que não nasci pra grandes coisas;
Eu não serei rei, 
Não serei pisoteado a fim de me tornar um bom vinho. 
Eu não carrego os genes de Napoleão, Dostoiévski. 
Nem mesmo de uma puta que fora assassinada num beco escuro
e que, por esta razão,  estampou por um tempo as primeiras páginas dos jornais.

Eu não vou me eternizar pela minha lenda pessoal e conformado estou!
Os meus sonhos, tão comuns quanto às ervas daninhas cujas cresciam
 sem que ninguém ás regasse no quintal de meus pais,
não me elevarão aos ninhos nos altos cumes das montanhas e
conformado estou!
Alimentar galinhas e regar uma flor de beleza duvidosa
talvez seja o ato mais nobre da minha vida.
Nada mais nobre do que se compadecer da sede de uma planta.

Talvez eu seja um carrapicho,
e meu único propósito seja, em um dia quente,
prender-me as vestes de uma agricultor qualquer
e, depois de um tempo, pobre coitado,
incomodado com a coceira que eu proporcionasse
me arrancaria e, inocente, me jogaria em seu quintal.
De modo que, nos primeiros dias de inverno do ano seguinte,
eu germinaria, e ele, intrigado, pensaria: como?!

A vida é só isso!
Não há estrada, destino, ou qualquer coisa que o valha.
A vida é construir uma estrada 
que apesar das curvas distintas,

finda para todos no mesmo abismo.   



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