sábado, 19 de novembro de 2016

Sem óculos ficamos burros

Imagine você que perdi os meus óculos. E com esse pequeno fato, juntamente com a ferramenta que me conferia nitidez ao mundo a minha volta, perdi também a inteligência. Me sinto muito burro... e surdo. Por que se você não sabe, quem usa óculos, quando os perde, além da pouca visão, também perde boa parte da audição, bem como a inteligência.  


Imagine você que, vendo uma entrevista a Fernanda Montenegro no programa do Jô, onde o principal assunto foi o teatro...(o célebre teatro do passado) eu não consegui entrar no universo de minha mente e sentir saudade daquele tempo que foi relatado, como sempre acontece quando estou munido de bons óculos ao meu gral, embora não tenha vivido àquela época.  
Me sinto destituído de discernimento. Que triste! Imagine você que, enquanto  a atriz falava de Nelson Rodrigues, personagem principal do teatro brasileiro, não achei que poderia conseguir um feito igual, como sempre acontece quando ouço ou leio relatos biográficos a respeito de alguém que se destacou no meio literário e se encontra sobre meu nariz os meus óculos. Embora, quando ela disse que de certa forma Nelson Rodrigues era um apaixonado pela sua pátria, eu também tenha sentindo o mesmo sentimento: "Eu sou um brasileiro feroz! Sou da minha pátria, sou da minha língua, sou da minha rua" Essa frase poderia ter sido eu a tê-la criado, uma vez que carrego comigo o mesmo sentimento em relação ao meu país e uma soberba digna da forca. Ninguém reclama...  Ninguém ouve os meus gritos! Agora sem óculos, nem mesmo eu.  

Imagine você que, falando ela de  Millôr Fernandes, a quem posso me gabar de que conheço relativamente mal, mas lembro de uma frase dele dita numa entrevista que dizia assim: "eu não quero ser conhecido por todo crioulo da torcida do flamengo", e esta frase tenha me intrigado demais e jamais a esqueci, por uma razão que conheço bem, pois ela dizia algo sobre mim: Não quero ser conhecido por todos. Eu quero ser conhecido por aqueles que me compreendem, pois me sinto erudito e pouco popular. No entanto, o fato de me encontrar SEM os meus óculos, fez com que eu perdesse a coragem e a força de vontade que encontrava nessa frase.  Perdi aquela soberba, ou aquele alento que sente um aspirante a escritor quando encontra algo que fomente a sua insignificância; mesmo alento que encontrei nos livros, uma confraria de tolos, o apanhador no campo de centeio, as ilusões perdidas de Balzac... e outros que não vou citar pois estou sem os meus óculos e refletir sobre eles sem minha inteligência costumeira me tirarão todas as esperanças. Como veem: sem os óculos me tornei burro e mais soberbo. Acho que é normal.  

Oh droga! E se aquela frase de Jhon Fante em pergunte ao pó também se esvair e deixar de me dá forças pra continuar acreditando que serei um grande escritor. Não pensa nela, você está sem óculos, não pensa; pensei. Merda!   

"Oh Bandini, falando com o reflexo no espelho da penteadeira, quantos sacrifícios você faz por sua arte! Podia ser um capitão de indústria, um comerciante rico, um jogador de beisebol da grande liga, o arremessador líder com uma média de 415; mas não! Aqui está você, arrastando-se ao longo dos dias, um gênio passando fome, fiel à sua sagrada vocação. Que coragem você possui!"

Eis o que fiz: morri. Agora não tenho mais razões pra continuar. Oh, maldita seja a hora que fui perder os meus óculos
Se bem que, em vez de gênio, eu sou um merdinha de nada mesmo, a fome me é justa

A falta dos óculos me deixou realista, essa é que é a grande verdade.  

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