terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O último de nós



O último de nós talvez perceba que o que conquistamos de nada vale a pena senão tivermos ainda o que conquistar pela frente. E se dará conta, talvez, que a felicidade está mais na caminhada do que propriamente no objeto almejado. É possível que último de nós compreenda que ele esteve muito pouco no controle; que o que ele desejou, as pessoas que ele amou durante a vida, foram apenas formas que a natureza encontrou para garantir a sobrevivência egoísta da espécie. Amar não passa de uma artimanha graciosa e deliciosa da natureza para que transpassemos os nossos limites físicos, transpassemos a nossa existência, pois o amor ainda é a herança passada de geração pra geração que sempre se manteve e sempre se manterá sem alterações nos corpos e corações dos homens. 

O último de nós talvez perceba que todas as crenças no sobrenatural que a humanidade sustentou ao longo da história, de nada foram úteis, pois todo ser vivo possui a força necessária para continuar vivendo dentro de si mesmo. Independe de tudo, o que o homem sempre teve foi apenas a força instintiva de sua natureza selvagem; todas as outras filosofias são inteiramente dispensáveis. 

O último de nós perceberá que, no intimo, somos aquela pessoa que esconde sua verdadeira personalidade, falsa, que demonstra ser amável quando interessa, e que no fundo, coloca sua existência acima de tudo, tudo isso só para manter-se em um convívio pacífico com os demais. É natural do homem se conhecer individualmente como selvagem e egoísta, porém, é natural também não aceitar as características egoístas do próximo, pois sabemos que sozinhos não iríamos longe. Compreenderá, portanto, que não deveria se culpar por isso, pois essas regras são necessárias e o mantém vivo. Quem nós somos intimamente não nos tem muita utilidade. 

Talvez o último de nós compreenda que, deveríamos sim, ter dado valor as pessoas que nos demonstraram algum apreço, que desejaram o nosso bem, embora tenha sido um ato egoísta para que estas também se sentissem bem, pois sozinhos, simplesmente não existimos. O homem sempre buscou “ser”, existir, e não percebe que para existirmos basta que tenhamos alguém que precise de nós para “ser” também, assim, vamos sendo um dos outros e existindo automaticamente; não necessariamente precisamos pensar para existirmos, como diz o filósofo. 

Certamente o último de nós também compreenderá que só se pode compreender a vida e a existência a poucos segundos da morte, e aqueles que chegaram perto dessa compreensão viviam se equilibrando na linha tênue entre a vida e a morte. Se bem que, talvez ele perceba que muitos, ao longo da história, já compreenderam a existência, o que ocorrera fora que nunca nos contentamos com nada e sempre buscamos novas compreensões. Somos insaciáveis e essa insatisfação é o combustível da vida. 

O último de nós compreenderá, também, que ter consciência de todas essas coisas não muda nada, pois o que percebemos com os olhos, com a consciência, de nada têm valia diante do que sentimos. Sempre foi o que sentimos. 

O último de nós, em sua horrível existência, talvez compreenda que o que mais impede a vida de ser vivida é o ato de tentar compreendê-la. E então vivenciará a melhor e pior sensação de todas: á de não precisar compreender mais nada.

O último de nós não precisará compreender o amor, tão pouco amar, já que o amor necessariamente necessita da existência, e ele não mais existirá, pois estará sozinho. Com isso, o último de nós, compreenderá, com dor, que será o homem mais triste e mais feliz do mundo.

Mas depois do último de nós, nascerá um novo homem que não carregará o castigo de pensar.


Samuel Ivani

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