terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Vida de inseto



No canto esquerdo, sob o assoalho, uma tarântula enovela um grilo com sua teia no intuito de levá-lo pra sua prole faminta. Na parede, atrás de um quadro mixuruca de cinco reais, uma vespa trabalha incansavelmente pra construir um lar pra seus filhotes que estão por vir. Sobre uma cadeira velha, um besouro descansa com as pernas para o alto, pois na última hora da noite anterior, ele atropelou a única lâmpada do quarto indo cair na cadeira e lá ficou. Do lado da pia, formigas, em um esforço conjunto, carregam o que restara de dois salgados de frango com catupiri do jantar de ontem. No lado esquerdo da cabeceira da cama, cupins devoram vorazmente o carvalho cortado a mais de quarenta anos.

Do lado direito, um adolescente de trinta e sete anos acorda às nove e quarenta e quatro da manhã incomodado com algo na sua bermuda.  Ele então constata que não tem forças pra verificar o que poderia ser aquilo que coçava, mastigava, ou formigava entre sua perna e seu jeans rasgado que ele não teve coragem de tirar quando chegou bêbado na noite anterior.
Dezenove minutos depois de perceber que algo não estava correto, ele cria coragem de abrir os olhos e refletir sobre aquele problema que se apresentava. Pensou que não valeria a pena retirar o inseto que até lhe proporcionava um incômodo razoável, mas não suficiente pra que ele enfiasse a mão nas calças correndo o risco de ser picado, envenenado, morto por aquela formiga, aranha, besouro, ou qualquer  outra coisa.

Pensou que na exata posição que o bicho se encontrava, se ele possuísse ferrão, garras, peçonha, ele não conseguia picá-lo e, se conseguisse, então o inseto julgou que ele não era ameaça suficiente que valesse o esforço de uma picada. Certo que ele era mesmo inofensivo.
Amargando uma enorme dor de cabeça, ele refletiu um pouco mais e concluiu que, o melhor a fazer era esquecer o caso, pois senão tinha remédio, remediado estava.  Porém, o incômodo daquele inseto cutucando sua pele ainda um pouco anestesiada pelo álcool,  não permitiu que ele voltasse a dormir.
Irritado e julgando a vida injusta ele levanta-se e tenta pular, crente que o inseto se envergaria as leis da física e cairia no piso do quarto, mas ao pular,  descobriu que seu cérebro parecia que se encontrava solto dentro do crânio e qualquer movimento doía infernalmente, e concluiu que o incômodo do inseto era menor.

Não obtendo êxito, resolve sacudir a bermuda com as mãos com a força que lhe restava e, feito isto, um rola-bosta de tamanho comum cai no assoalho. Feliz e aliviado, ele deixa-se cair na cama novamente, mas logo depois descobre que ainda sentia como se o inseto tivesse lá, coçando sua perna. Ele pensa: o que eu fiz pra merecer tamanho castigo meu Deus?!     

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