quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A faca



Inebriado pelo sol do fim de tarde, como nos dias antes deste, um homem sem nome, aposentado, observa da sua cadeira de balanço a faca no canto direito da estante de angelim que herdara de seu pai. A peixeira como é popularmente conhecida, ostenta uma bainha de couro artesanal que ele, num dia de sorte, adquiriu em troca de um relógio de parede. Perto do cabo, a faca mantém ainda que não de propósito, uma escama de um dos inúmeros peixes que limpou. O homem observa de longe a escama, respira fundo e, com lágrimas nos olhos, sente o cheiro de toda uma vida vivida com honra.

Aquela faca nunca exerceu mais do que a sua obrigação; descamou uns peixes quando tinha, cortou uns ramos de batateira, fez uns cabos de estilingues pros filhos quando pequenos, desatou uns punhos de rede, cortou com maestria mangas a perder de vista, mas só isso. 
Pressupõe-se que pra uma simples faca, ela devia simplesmente ter enferrujado, perdido o gume, o cabo - e ter se perdido no tempo como tantos outros objetos que acompanham a vida de um homem ao longo de sua jornada, no entanto, lá estava ela, exibida como um troféu na sala de estar de uma casa de quatro cômodos de um velho aposentado.

Do lado da faca se dispunha outro tesouro; uma bíblia enorme com evangelhos nunca imaginados pelas novas gerações como de Judas e Tomé. Há de se pensar que pra aquela faca merecer tamanha honra, tivesse ela praticado algum feito heroico; furado o peito de um inimigo, decepado a cabeça de uma cascavel, salvo a pele de um menino em um balançador, ou cortado a forca de um condenado a morte, mas não, ela era somente uma velha faca de feitos comuns. 
Se ao menos tivesse ela, em um dia especial, cortado a alcatra servida à alguém importante, um prefeito, um grande homem de negócios, mas ela nunca sequer deixou as dependências dos poucos alqueires de terra que aquele homem pertencia. Aquela pobre peixeira, nem mesmo fora a escolhida na hora da simpatia de ferir a bananeira a fim de descobrir qualquer coisa sobre os futuros maridos de adolescentes apaixonadas, porém, lá estava ela, mantida sob vigia como se fosse completamente de ouro. 
Todo fim de tarde, aquele homem aposentado liga o rádio na estação do seu passado e lá fica, balançando e olhando pra faca como agradecido por qualquer coisa. 
Nunca alguém questionou qual a importância daquela faca pra ele - e satisfeito ele poderia seguir até o fim dos seus dias se somente ele entendesse a razão daquele tesouro.


Não são grandes feitos, é o significado e a importância que damos pras pessoas que sempre estiveram conosco. 
Pare pra pensar e reconheça quem são os verdadeiros heróis da tua vida. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário