quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O pescador de ilusões



Em um fim de tarde de sol de um sábado dia doze, um velho pescador viu pela última vez a sua amada. Foi à última vez que ele conseguiu sorrir de peito aberto. A partir dali o mundo tornou-se cinza e nem mesmo o cheiro azul do mar foi suficiente pra que ele voltasse a ver sentindo em continuar.

Os albatrozes e trintareis que tanto o alegravam no passado, quando ao meio dia, ele alimentava-os com as vísceras dos peixes pescados com a maestria de um velho lobo do mar, já não significavam nada.

Nada tinha mais sentindo. Ele já não encontrava razões pra regar a macieira plantada a mais de dez anos no quintal de casa. Teve que aceitar o fato de que uma macieira jamais frutificaria naquele clima tropical. Também, mesmo que um dia ela desse uma maçã que fosse, seria sem gosto, sem esmalte, sem cor, e não serviria nem de modelo pra uma pintura de natureza morta. 

O filtro dos sonhos na varanda da sua casa de madeira, presente de um andarilho agradecido por uma noite de hospedagem, já não lhe trazia bons fluídos, de modo que pra ele não passava de conchas e barbantes sem sentido algum. Diferentemente do passado, quando ele retornava pra casa e ouvia o “tinlin tinlin” das conchas e sentia que podia gritar aos quatro ventos, sem receio algum de está errado, que ninguém no mundo era mais feliz do que ele. 
Nem mesmo a escama gigante na estante da sala cuja lhe servia de prova da estória que ele contava para os meninos da rua sobre seu melhor amigo ter fugido aos doze anos com uma sereia do Pacífico chamada Madalena, já não parecia ter magia alguma. Aquela escama passou a ser só uma escama de pirarucu que ele trouxera de lembrança de uma viagem que fez a Amazônia. O seu amigo morreu de câncer aos doze anos e os adultos tinham contado aquela estória pra que ele não sofresse com a perda repentina. 
Aquele sonhador outrora irremediável, sentia que tinha perdido totalmente os motivos pra sorrir, logo, era justo que os soldadinhos de chumbo no outro lado da estante também já não expressassem alegria; parecia que todos agora tinham bicos em vez de boca, logo, anatomicamente não podiam sorrir. 
Até mesmo a poltrona revestida com fio de algodão verde limão, cor preferida de sua amada, já não lhe proporcionava o mesmo conforto de outrora. A verdade é que, depois que sua amada se foi, tudo era o que era e a vida não tinha mais graça alguma.

Desolado, numa noite de lua clara, aquele velho pescador reuniu todo suprimento que a sua velha canoa suportava, lógico que com uma boa parte reservada para o fumo e a sua viola que ele julgava serem alimentos para alma - e se foi para o mar. Aquele sonhador viu desaparecer lentamente no horizonte as folhas murchas da macieira, o filtro dos sonhos e, finalmente, sua velha casa - mas nada sentiu. 
Ao se deparar com a certeza de que tudo que conhecia era passado, ele proferiu um suspiro profundo e sumiu mar adentro convicto de que só retornaria quando pescasse a Sereia mais bela de todos os oceanos.  

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