quarta-feira, 19 de julho de 2017

O FIM



Não totalmente desperta, ela lembrava do passado em que todos os dias, há primeira hora, ela apreciava o sorriso murcho do companheiro - e ouvia, ainda que julgasse não merecer, um elogio previamente pensado  e clichê do tipo: “você  é a única mulher do universo que acorda linda!” Tal gesto tão singelo, representava uma filosofia de vida e mudava totalmente o seu dia, tanto dela quanto daquele que jurara passar a vida toda ao seu lado.
Toda manhã ela levantava com vontade; a vida parecia que podia ser apertada com força,  tal qual se abraça em um dia frio o urso de pelúcia ganhado no aniversário de dezessete anos.

Agora ela acorda sem vontade,  reluta em se mover, parece que nada vale a pena. Ao ouvir o som dos anjos do inferno entoando do despertador do celular, ela se dá conta o quão triste é aquele som que a obriga levantar. O despertador, antes sem utilidade, agora era programado pra despertá-la quatro vezes em intervalos de cinco minutos - e mesmo assim, depois da última, ela levantava, mas só abria os olhos na porta do banheiro,  como não querendo encarar a realidade.

Naquela manhã, ela abre os olhos fitando os pés, sem vontade alguma de erguer a cabeça, então nota as pernas por depilar, as unhas por fazer.  Ela respira fundo, apoia-se na parede, começa movimentar os dedos sentindo a textura do tapete em forma de joaninha que agora achava de um tremendo mau gosto. Eis que lhe ocorre uma vontade louca de gritar, mas descobre que já não tem voz. Sem vontade, ela entra no banheiro, liga o chuveiro, mas não toma banho, deixa apenas que à água deslize por seu corpo como se ela fosse uma rocha em que o rio passa em direção ao mar ignorando totalmente sua existência.  Até mesmo o barulho do chuveiro cujo antes lhe impulsionava a cantarolar qualquer coisa de manhã, agora lhe representava qualquer coisa melancólica e só lhe ocorria a vontade de chorar. Às vezes ela chorava mesmo.  

Depois do banho, como em outros dias antes deste, ela passa trinta segundos em frente ao closet, tentando ganhar forças, pois sabe que imediatamente ao abrir a porta, sem questionar, o cheiro dele iria adentrar suas narinas como um touro feroz seguindo em frente sem intenção de chegar. Sem opções, ela respira fundo, abre à porta, o aroma previsto lhe cobre de lembranças felizes: as flores, a noites de prazer, os planos para o futuro, a grama verde, o pomar... Tudo sem a presença dele era abstrato; era como tentar agarrar a neblina e sentir somente o frio lhe cortando a alma. Ela escolhe uma roupa aleatória, pois sabendo que não receberia elogios de quem era importante, pouco importava. Põe um batom sem gosto, os sapatos lhe apertam os pés e, a dor, ainda que suportável, não lhe parecia justa; era como se o custo da beleza já não tivesse sentindo. 

Já próxima do trabalho cujo ia a contra gosto, ela ouve aquele som de mensagem que mais parecia um anjo tocando sax numa carruagem de ouro; era uma mensagem de voz do marido que havia viajado a trabalho pedindo desculpas por estar sem sinal, logo, não teve como lhe enviar aquela mensagem de bom dia, assim como em todos os dias anteriores. Fatalista e trágica como ela era, já tinha imaginado que ele estava lhe traindo e nunca mais iria voltar. Mas diante da nova realidade, ela esquece o aperto nos sapatos, os seus cabelos, antes sem graça, agora lhe pareciam tão cheios de vida e poder que ela era capaz de derrubar centenas de inimigas de um giro só.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário