sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O homem que refletia


- Ela é bonita! Tem quadris largos, cintura fina, seios proporcionais.
Certo que não são grandes, mas enchem uma mão de porte médio.
Ah, e seus cabelos negros parecem gostar da brisa de agora.
É muito importante se deixar levar pelo "agora"!
Bem que eu poderia ir lá ir falar com ela.
Ora, ambos estamos sem fazer nada, que mal teria uma conversa casual!?
Mas o que eu poderia dizer?
É, não tenho dúvidas que ela é linda! Tem pernas lisas, pés que parecem saber onde pisam.
Assim de longe, ela me parece uma ótima escolha pra vincular os meus genes.
Certamente nossos filhos seriam lindos.
Poxa, seria um ótimo assunto pra iniciar uma conversa!
 Eu poderia chegar, fazer um aceno com a mão - e sem pestanejar mandar logo a real, dizendo:
Quer ter um filho comigo? Conclui que os nossos filhos seriam lindos!
Ela ficaria assustada, mas antes que respondesse qualquer coisa, eu continuaria falando de modo a expôr as vantagens da nossa prole:
Dada atração física que senti só em te ver de longe, sei que os nossos filhos seriam fortes como touros.
- Sabe, o primeiro eu preferia que fosse uma menina. Seria perfeito pra nós dois.
 Você poderia pentear os cabelos dela, colocar vestidos, planejar festas e eu poderia ensiná-la a andar de bicicleta, nadar e subir em árvores.
Sim, porque toda infância feliz que se prese tem que envolver subir em árvores.
É o que confere aquela conexão com a natureza útil a qualquer ser vivo, sabe?
Já trocar fraldas, seria responsabilidade dos dois. Não que eu já tenha feito isso, mas eu adoro aprender coisas novas.
Eu poderia contar estórias pra ela dormir, instigar o amor pelos livros desde cedo, sem impôr nada. Imposições, de qualquer feita, a mente repele tal qual o escravo repele as correntes que o aprisiona. Não vamos impô-la nem mesmo nossas crenças.
 É importante que ela adquira o senso de escolher o que é melhor pra ela.
Nós só precisamos dizer que existe o bem e o mal e que tudo tem uma explicação.
Ah meu Deus, é tanta coisa pra se pensar!
Outro ponto importante seria aguçar nela o instinto natural da curiosidade.
Hoje em dia, com a internet, as pessoas estão perdendo a curiosidade;
se tudo está a um clique, as perguntas não surgem mais.
Até parece que tudo se revelou e não há mais combustível para as descobertas.
Voltaremos a irracionalidade, é fato!
Nossa! Nesses tempos modernos um filho parece mais responsabilidade do que no passado.
Ou será eu que penso demais?
É tanta coisa:
Como livrá-la da selvageria do mundo?
Como privá-la das dores que já vivi?
Como não ser um pai ruim?
Ah, como eu posso colocar outro ser no mundo pra enfrentar a vida que pra mim já é insuportável?
Desisto! Pensando bem, é melhor eu desistir da ideia de ir falar com ela.
Tudo é tão complicado!
É, eu não vou passar a nenhum ser humano o legado de minha miséria, como bem disse Machado de Assis!
Diante de tantas reflexões, ele levantou e se foi como o ser pensante mais inútil que já se viu por estas terras.
Conclui-se então que, o individuo que pensa demais, não se reproduz.

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