sábado, 28 de outubro de 2017

O psicopata comum de cada dia


Arlindo era um homem super comum; casado há mais de vinte anos, três filhos já criados - e aparentemente levava uma vida pacata ao extremo. Rotineiro, ele fumava onze cigarros por dia, tomava três cafezinhos durante o trabalho e penteava o cabelo de meia em meia hora sempre para o mesmo lado com o pente que já o acompanhava há trinta anos. Além de metódico, ele era um homem acomodado em tudo. Fazia vinte e três anos que trabalhava como ascensorista de elevador e não galgava nada além. Para ele, qualquer ato de mudança não era visto com bons olhos.  

Imagine que antes de se casar, lhe foi instruído pelos pais que ao ir morar sozinho, ele evitasse construir uma rotina para que a esposa nunca soubesse os horários que ele  voltaria para casa, assim, evitaria traições. Mas como ascensorista e sistemático, ele tinha seu horário fixo: saía às sete e meia em ponto e sempre retornava às três da tarde.  Assim sendo, fazia mais de vinte anos que ele carregava a certeza que era traído, mesmo que não fosse.       

Mas Arlindo era pacato na rua e no trabalho, dentro de casa tratava a esposa como escrava e batia nela frequentemente, embora negasse que cometia tais atrocidades. Sempre que a esposa dizia que ele era violento, ele repetia com frases feitas: “eu nunca encostei a mão em ti. Nunca deixei nenhuma mancha roxa ou hematomas. Então me diz quando eu te bati?”  Era assustadora a certeza  com que ele repetia aquelas frases. Para ele os motivos das surras eram tão justos que as pancadas eram atos de disciplina e não de violência. Ele simplesmente se isentava da culpa e transferia tudo para esposa, logo, não carregava um pingo de peso na consciência.

No aniversário da esposa de trinta e sete anos, vinte anos depois, Arlindo resolveu seguir o conselho dos pais e sair da rotina no intuito de pegar a "vagabunda" no flagra. Abandonou o elevador e retornou para casa às dez da manhã. Enquanto retornava, já se enchia de ódio, pois em sua cabeça já era certo que ele teria que matar a mulher e seu amante. Era incrível a habilidade que ele tinha de criar certezas baseadas em suas desconfianças.

Ao chegar a casa, não encontrou ninguém na sala, então se direcionou a cozinha para pegar o rolo de macarrão já planejando como não ir parar na cadeia depois de um duplo homicídio. De arma em punho, ele caminhou vagarosamente em direção ao quarto do casal. Ao abrir a porta, o quarto também estava vazio - mas era totalmente vazio mesmo. Dos móveis só restava um grande espelho com uma frase escrita a batom: fui embora seu babaca! Ao se deparar com aquela nova realidade, aquele mestre em criar certezas ficou decepcionado, mas não com o fato de a esposa o ter abandonado, e sim porque nunca tinha passado em sua cabeça que ela seria capaz de um ato tão corajoso.   

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