quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

A vida como ela é


DA SÉRIE A VIDA COMO ELA É


Rapariga não! Rapariga não! - Repetia Alciléia aos gritos pra Marli, sua vizinha que lhe acusava de ter seduzido seu marido a troco de dois quilos de peixe fresco na semana anterior. Marli tinha como prova o argumento que o marido estava guardando mais um punhado de peixe a fim de receber o mesmo tratamento no futuro. Certamente não era o suficiente, mas Marli conhecia a fama de Alciléia, mulher de vida mundana, falada na vizinhança, e isto lhe bastava. 

Alciléia tinha sete filhos, um marido aos frangalhos de tanto trabalhar na roça pra sustentar a numerosa família, e nada além. Eram nove bocas pra alimentar, todos os dias era preciso, ainda que economizando, uma quantidade razoável de comida, logo, não lhe restava, senão, trocar o que tinha que era o corpo surrado pra alimentar os filhos. 

Alciléia, apesar do empenho, não conseguia frear as más línguas que a difamava pra Deus e o mundo, tanto é que, homens, já sobre aviso, passavam todos os dias em sua casa pra pedir um copo com água e uma sombra por vinte minutos. Senão fosse tão pouco, talvez até ela vivesse bem com os filhos, mas é que lhe traziam, quando traziam, um quilo de arroz, de açúcar, um pacote de fumo para o marido e nada além, de modo que as dificuldades eram quase a mesma se ela não exercesse tal atividade. Ela só não aceitava que se referisse a ela como puta, pois difamava também sua família e ela não podia deixar que os filhos sofressem também com as dificuldades que ela passava. 

Marli, mulher de fibra, que nunca levou desaforo pra casa, antes de ir tirar satisfação com a vizinha, preparou uma panela com um litro de óleo de cozinha, ferveu o máximo que conseguiu e colocou do lado da janela com toda intenção de usar. Tinha como meta provocar Alciléia, que também não era flor que se cheire, ao ponto dela vir arrancar seus cabelos no quintal de casa. E não deu outra, depois de insultos a ela, o marido e os filhos, Alciléia se encheu de ódio e derrubou a cancela do quintal de um chute e foi em direção a Marli com gosto de gás. Ao vê a mulher louca de raiva se aproximar, Marli tomou a panela com óleo quente e jogou nela ainda em movimento. Aciléia, mesmo queimada, se desfazendo a pele do rosto e dos braços, avançou em cima de Marli e ainda conseguiu queimar um pouco da vizinha que tantas vezes lhe ajudara com uma xícara de café, de açúcar, ou com um abrigo nos dias que o marido bebia e quebrava tudo dentro de casa, mas o óleo já havia esfriado em sua pele surrada pela vida e pouco adiantou.

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