quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

O poeta na fila do emprego



Aquele poeta na fila do emprego, se vendo aos trinta anos sozinho, sem ter construído sequer um castelo de areia, um jardim de flores, uma caixa de correio ou qualquer coisa concreta, tomou a decisão de largar todos os sonhos do mundo e buscar qualquer coisa que, pra ele, homem de sonhos, não era real.

Aquele poeta trajando vestes quase em decomposição, se deu conta, não se sabe se há tempo, que as letras por ele agrupadas em palavras não alimentariam um canário faminto, não abrigariam andorinhas no inverno, nem sorririam pra um homem triste na iminência do inferno, logo, eram inúteis como o som do mar numa ilha deserta.

Aquele poeta triste, apesar de fingir bem, não sabe mais o que deseja. Tem ciência somente que já não suporta as palavras, castigo saboroso da alma que por inúmeras vezes lhe proporcionou vida ainda que descrevendo a morte. Sabe, no entanto, que já não suporta as vírgulas, as rimas, as estrofes, nem a busca pelo sentindo dos versos. Ele quer somente viver como um homem comum, comprando bens no crediário, sorrindo hipocritamente para os patrões, um visível tronco oco levado pelo rio sem sombra. 

Aquele poeta na fila do emprego, que não decide se põe as mãos nos bolsos ou cruza os braços, busca o respeito dos homens por algo real que há de construir, pois seus poemas, suas palavras, foram tal qual ouro em pó jogado para os cisnes nos lagos da terra dos sonhos, e estes, sabiamente, escolheram se alimentar das algas vermelhas, pois enchiam mais. Não podemos julgá-los.

Aquele poeta, na iminência de largar a poesia, busca manter em sua boina surrada um resquício da sensibilidade, da habilidade em apreciar a vida em vez de vivê-la que acumulou ao longo dos anos para que, no futuro, se algum dia ele puder comprar o tempo para ser poeta, ele retirar a boina do baú das lembranças e voltar a existir sem se importar com o vento lá fora.

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