domingo, 20 de maio de 2018

Construção


No futuro, me violentarão, arrancarão minha pele, minha língua, meus sentidos, me esgotarão, e eu não estarei aqui nem pra apreciar, nem pra desmentir que
eu nunca fui nada do que pregaram.
Eu não existirei.
 Meus sonhos já terão morrido,
 minhas carnes já estarão nas entranhas de alguns vermes - poucos, para o bem da verdade, e mesmo assim me tratarão como rei, mas já não me servirá a majestade.
De que me adiantará a nobreza depois que já não puder desfrutar das mulheres,
 dos choferes, das regalias dos hotéis?
Já não me servirá os jantares, os brindes, os artigos escritos pra desdizer o que eu nunca disse.
Já não me preencherá o estomago as citações do futuro sendo que é hoje que morro de sede e fome.
Hão de usar meus versos para ganharem corações de  jovens senhoras, pra justificarem suas crueldades e seus vícios em relação a seus semelhantes, ou para ganharem fortunas...
A vida nunca foi justa, bem sei, e nunca será.
Me coroarão nos salões reais, usarão discursos que escrevi pra outras ocasiões em dias de glória, no entanto, já não poderei protestar contra os erros; já estarei impedido de me corrigir, de me desconstruir, talvez por isso, é que finalmente verão minhas auréolas de ouro
e eu não poderei dizer que, na verdade, são elas chifres de demônios.
Me julgarão um deus depois de terem me condenado ao inferno.
Não os culpo, eu que me fiz assim, eu que me joguei ao abismo e não tive forças pra me reerguer.
Não os culpo, eu que me construí assim...

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